Falling
Sabia que aquela decisão, apesar de mais difícil do que qualquer outra que havia tomado em toda a sua vida, era a correta. A escolha mais fácil raramente era similar à mais correta.
Andou mais alguns metros e observou o abismo à sua frente. Respirou fundo, porém ainda sem tomar o fôlego necessário para o ato. Antes, queria observar mais e sentir aquela imensidão que a circundava.
Nem parecia a mesma de sempre. Estava diferente. Com certeza já era outra pessoa. Seu antigo “eu” nunca estaria ali. Naquele “mundão de meu Deus”. Pela primeira vez sentia-se realmente livre. Livre das cordas, das mordaças e da coleira que há muito a aprisionavam. Riu. Imaginou como as pessoas a estariam julgando agora. Riu ainda mais, pois era somente a título de curiosidade porque já não se importava. Deixara tudo para trás. Ia acabar ali. Simples assim. Um fim naquele precipício.
Estava pronta. Um pulo e tudo acabaria. A morte. Como seria morrer? Sorriu novamente, pois não sentia medo. Estava mesmo mudada. Aliás, não sentia nada. Estava tão leve que era capaz de pular e sair voando.
Foi um pouco mais para a frente. A ponta dos pés já estavam à frente do solo. Pronta. Sentia-se mais pronta do que jamais se sentira. Aquele era o momento. A garoa começou ao mesmo tempo em que a primeira lágrima caiu e se confundiram em seu rosto, em sua pele bem cuidada. Era melhor não pensar muito. Não tinha nada de triste naquilo. Era a sua decisão.
Baixou os óculos e, dessa vez, tomou o fôlego necessário para a coragem de colocar um ponto final em tudo. Aquela era a hora. Abriu os braços e colocou todo o peso do corpo para a frente.
Pulou.
Então aquela era a sensação de queda livre. O frio na barriga era tão grande que sentia cócegas. O rosto esticava-se e a boca estava seca. Que sorte ter colocado os óculos de proteção, podia ver tudo. Então aquilo era estar próximo do fim? “Que gostoso”, pensou.
Um filme começou a rodar em sua mente. Já não via mais a paisagem. Via a briga da semana passada com o marido. O choro. A decisão de sair de casa para viver a própria vida. Sozinha. Madura. A lembrança de só querer se sentir única. De ter um pouco de atenção. Será que ele não entendia? Queria que a vida a dois fosse um pouco sobre ela também.
Egoísta.
Ele era um filho duma puta egoísta demais. E o pai? O pai a chamando de vagabunda, dizendo que preferia uma filha apanhando do que divorciada. O que aquele velho sabia sobre a vida? Que ele e aquela opinião de merda dele fossem juntos para a puta que os pariu.
O chão!
Estava tão próximo. Se distraíra demais durante a queda, refletindo sobre uma vida que, sob seu ponto de vista, não valera a pena. Puxou a cordinha que acionava o para-quedas bem a tempo. No último segundo possível. Que a chuva não danificasse o equipamento, torceu.
Morreu.
Esse era o ritual. Havia matado seu antigo eu, fraco e frágil. Esse havia sido o seu ritual. Fênix. Renasceria das cinzas assim como uma. Afinal, não acabaria com a própria vida por outrem. Ou, acabaria sim. Às vezes, era preciso matar e deixar para trás quem você era para renascer e estar pronto para quem você seria. Mesmo aos 43.
Marcos Korody
Ex Posta